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The Orville – Segunda Temporada – Episódio 06 – Um Refrão Feliz – Review

The Orville – Segunda Temporada – Episódio 06 – Um Refrão Feliz – Review

Orville mais uma vez consegue nos entregar uma história forte e comovente, onde o foco está nos personagens, seu desenvolvimento e nas interações entre eles. Ao contrário do que possa parecer a primeira vista, este não é “apenas” um episódio de romance, mas uma ficção científica da barra pesada! Pode um Robô amar?

Um Refrão Feliz

Um Refrão Feliz [A Happy Refrain], começa com Isaac (Mark Jackson) ajudando a Dra. Finn (Penny Johnson Jerald) a revisar um trabalho que ela precisa terminar. Isaac a presenteia com uma banana afim dela não ficar irritada de fome e ainda questiona se ela teria mudado o corte de cabelo dela. Uma fagulha se acende, enquanto Claire percebe que Isaac presta atenção nela, e a sua maneira, se preocupa.

Por parecer uma idéia absurda, visto que Isaac é uma criatura não orgânica, ela procura confidência com a Comandante Grayson (Adrianne Palicki), que questiona sobre a viabilidade de um relacionamento assim, mas deseja que Claire seja feliz. Neste momento a médica decide convidar Isaac para jantar. Claro que ele aceita, visto que é uma ótima oportunidade para ele estudar sobre o comportamento dos seres orgânicos.

Mas é só por isso mesmo? Isaac demonstra se importar. Ele vai até LaMarr (J. Lee) para pedir dicas de como se portar em um primeiro encontro e após as instruções aparece para pega-la todo bem vestido, o que causa uma boa impressão na doutora.

O episódio gira em torno das tentativas deles fazerem este relacionamento dar certo, errando e aprendendo. Isaac entendendo que ter os dados sobre uma pessoa não significa conhece-la, é simplesmente fantástico! E um relacionamento não é exatamente isso, conhecer sobre o outro de uma maneira que simples informações não podem explicar?

Mas calma, no começo eu disse que este é uma Ficção Científica barra pesada, mas porque?

Vencendo nossos preconceitos

Grande parte da literatura de ficção científica, gira em torno de “conhecer novas espécies” e “fazer primeiro contato“. Bom, não vejo melhor maneira de conhecer alguém que se relacionando com ela, mas é tão fácil assim? Enquanto o universo de Orville nos mostra que “nossos preconceitos são coisas do passado”, no momento que Claire declara que está interessada por Isaac, a primeira reação de todos é questionar sobre ele não ser uma criatura orgânica!

Então isso me soa com um resquício de preconceito que aquela sociedade ainda mantém, e provavelmente nem de maneira consciente! A medida que nos desenvolvemos como sociedade nós vamos derrubando barreiras sociais e nos tornando mais sensíveis as diferenças entre nós, e conforme convivemos melhor com estas diferenças começamos a enxergar o diferente como um igual.

Mas por algum motivo estranho que não sabemos exatamente qual, sempre encontramos (criamos?) uma barreira mais a frente. E agora temos que começar um novo trabalho para que esta barreira seja eliminada, quase como um circulo vicioso.

Quando nossas diferenças aqui na Terra são eliminadas, e o contato espécies alienígenas se torna uma realidade, o circulo se expande. “Nós da Terra não gostamos do pessoal do planeta X75!” Depois passamos a nos relacionar com eles, e o problema será o pessoal do planeta J482, e assim por diante.

Mas existe uma constante nestas nossas “aceitações do diferente”: Todos somos seres orgânicos! Não seria a “barreira do não orgânico” uma barreira ainda não transposta? E ai resta a pergunta: “O que nos faz humanos?” Ou ainda “Onde é o Limite de nossa Humanidade?“. Para esta segunda, vale lembrar a “Segunda Lei de Clarke

A única maneira de conhecermos os limites do possível é aventurarmo-nos além, adentro do impossível. – Arthur C. Clarke

Em Jornada nas Estrelas no episódio “O Demônio da Escuridão“, a tripulação da Enterprise teve que vencer o que Carl Sagan chamava de “Chauvinismo do Carbono“, visto que a Horta não era vinda do carbono e sim do silício!

Sobre o Amor e Robôs

O romance entre o homem e a máquina não é o mais incomum dos clichês da ficção científica, embora apareça muito menos frequentemente do que imaginamos e talvez exija um demarcação cuidadosa de limites. Há toda uma disseminação de seres humanos artificiais ou aumentados na ficção: seu robô clássico (ou talvez mais corretamente, andróide), um autômato com vários graus de senciência ou agência em forma humana; o ciborgue: um humano aprimorado, que pode praticar tudo, desde simples aumentos físicos até implantes cerebrais que potencialmente transformam o eu em algo diferente do humano (o chamado trans-humanismo) e é claro há a inteligência verdadeiramente artificial, geralmente entendida como desencarnada, mas ocasionalmente decantada em algo que se aproxima da forma humana.

De Data em Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, a Rachel em Blade Runner, existem diversos exemplos de Robôs que amam. Mas a questão principal é: O que é o Amor? Quando estamos apaixonados, o que talvez seja o primeiro passo para o amor, temos dificuldade em nos concentrar, ficamos monotemáticos e ficamos inflados com o pensamento a respeito da pessoa amada. Isso nos mostra uma característica de nosso cérebro: Nós temos uma habilidade de focar nossos pensamentos em algo.

Por exemplo quando estamos conversando com uma pessoa em um restaurante cheio. Existem centenas, senão milhares, de coisas acontecendo simultaneamente ao nosso redor. O pessoal da mesa do lado falando alto, uma criança chorando ao fundo do salão, o copo que cai atrás do balcão, o pessoal da cozinha gritando os pedidos que se acumulam… Mas de alguma maneira quase mágica, nós conseguimos filtrar tudo isso e prestar atenção somente na pessoa em nossa frente. Esta nossa habilidade se dá para que não fiquemos atordoados com a quantidade de informação recebida.

Um computador, a princípio, não tem este problema. Ele pode receber e realizar diversas tarefas simultâneas, sem que as confunda ou se atrapalhe. Isso é chamado de multitarefas (Multi-tasking). É claro que nosso cérebro não está somente prestando atenção em nosso interlocutor, e sim cuidando de diversas funções vitais de nosso organismo. Mas o caso é que não estamos conscientes disso tudo.

Quando Isaac erra um calculo, é o momento que sabemos que ele está apaixonado por Claire. Todas aquelas tarefas que ele executaria simultaneamente sem a menor dificuldade, foram colocadas de lado. Agora existe uma tarefa prioritária para ser processada. Isaac agora está monotemático.

Mercer vai até ele, e explica o que está acontecendo. Ele precisa passar por esta parte do relacionamento, depois de errar e magoar a pessoa amada, admitir o erro e pedir desculpas; arrumar o que foi quebrado e querer fazer o relacionamento funcionar. Simplesmente fantástico, com uma leveza ímpar. Fico muito feliz de ver este calibre de roteiros sendo produzidos.

O Homem por trás do Robô

Quando pensamos em Data, em A Nova Geração, nós conseguimos ver o rosto de Brent Spinner. No caso de Isaac, o rosto de Marc Jackson fica escondido atrás do Robô. Este episódio nos permite conhecer Jackson. Quando Claire questiona que Isaac não tem uma boca para beijar, LaMarr tem uma idéia: Criar uma simulação holográfica para Isaac usar quando estiver com ela. O momento da transformação, onde Isaac ganha um corpo humano é muito emocionante. Uma nota forte em uma sinfonia repleta de “Fortissimos”.

A maneira como Jackson interpreta a versão humana de Isaac, nos permite ver a versão Robô, e algo mais. Um Trabalho notável de atuação, que espero poder ver em episódios futuros. E pela maneira como o episódio termina, acredito que veremos…

E ainda o episódio nos permite ver Norm MacDonald, quando Yaphit entra no holograma e cria para ele uma versão humana para tentar mais uma vez fazer com que Claire se interesse por ele. Yaphit enciumado é hilário de se ver.

Cantando na Chuva

Claire sente falta da chuva. Por algum motivo a chuva simulada não tem o mesmo cheiro. Eu simplesmente me relacionei diretamente com isso. Eu adoro chuva! Morar em uma cidade grande, cercado por asfalto e cimento com quase nenhuma vegetação, me faz sentir falta da natureza. Quando chove, mesmo que rapidamente, para mim parece uma retomada da natureza, com a água invadindo a cidade e mostrando quem manda. Voltando ao episódio…

A maneira que Isaac encontra de mostrar para ela que ele se importa e que está arrependido, é fazer chover dentro da nave, ao som da voz de Gene Kelly.

I’m singin’ in the rain (Eu estou cantando na chuva)
Just singin’ in the rain (Apenas cantando na chuva)
What a glorious feeling (Que sentimento glorioso)
I’m happy again (Estou feliz novamente)
I’m laughin’ at clouds (Estou rindo das nuvens)
So dark up above (Tão escuras lá em cima)
The sun’s in my heart (O sol está em meu coração)
And I’m ready for love (E eu estou pronto para o amor)

Pensamentos Soltos no Espaço

  • Eu adorei o bigode de Bortus! Desta vez eu tenho que discordar de Klyden. Bortus fica muito mais bonito de bigode. Queria que ele ficasse definitivamente. Ele tinha um ar de Tom Selleck.
  • Dan é realmente um cara bacana. Quando Isaac precisa se vestir para o encontro, ele disponibiliza o guarda-roupas dele imediatamente! E não só para o encontro, sempre que ele precisar!
  • Eles provavelmente só usaram algumas cenas de fora da nave, porque já estavam pagas. O episódio não precisava de nada fora da nave.
  • Eu quero saber sobre as oficiais que sentam ao lado de Gordon na ponte de comando! Elas revezam de episódio em episódio, mas ficam lá interpretando a tripulação de ponte de Star Trek Discovery. Quero histórias com elas!
  • Acho interessante o aceno para todas as sinfonias que apareceram durante os sete anos de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração. Agora Orville também tem orquestra!

Veja nosso papo sobre o episódio em vídeo!

Obras com temas próximos

  • Galatea 2.2 de Richard Powers

Uma releitura do mito de Pigmaleão, sobre um artista se apaixonando por uma estátua que ele mesmo cria na tentativa de esculpir a mulher perfeita, e a estátua ganha vida devido a sua paixão. Galatea 2.2 é um estudo fascinante de arte e do amor: quanto moldamos e transformamos nossos amantes e nós mesmos através do ato de amar?

  • Idoru de William Gibson

O titular “Idoru” (japonês para ídolo) é um humano sintético, uma Inteligência Artificial que usa hologramas para interagir com pessoas, chamado Rei Toei. O roqueiro Rez quer se casar com o Idoru, o que preocupa seus treinadores e funcionários. Não apenas casar com uma Inteligência Artificial é ilegal, mas a falta de fisicalidade continua surgindo: você não quer fazer amor com sua esposa? Onde fazer amor com robôs parece patético (ou assustador), a falta de sexo com IAs faz com que o amor romântico pareça incompleto.

  • A Longa Viagem a um Pequeno Planeta Hostil de Becky Chambers

Aqui acompanhamos a relação entre a mecânica, Jenks, e a IA da nave, Lovey, desde o início: eles estão apaixonados, e contemplando a decantação de sua personalidade em um corpo físico. Chambers dispensa muito do típico “um humano e um AI podem verdadeiramente amar um ao outro?”, dadas as suas diferenças, e passa para questões mais complexas. Lovey e Jenks reconhecem que eles são em muitos aspectos estranhos um ao outro, mas em um universo com alienígenas literais, suas diferenças são apenas uma entre muitas.

  • Ela de Spike Jonze

“Ela” lida muito bem com o poder alienador de nossa tecnologia e sua intimidade paradoxal. A IA com quem o personagem principal se apaixona envia um procurador humano para que ele, “interaja” com ele. Ele está mais do que um pouco assustado com este autômato humano agindo como saída para suas necessidades físicas. É uma sequência bastante devastadora, todas essas motivações e desejos em camadas, representados entre dois corpos e uma terceira mente teórica. O amor romântico é uma coisa contestada, e a quantidade de fatores de desejo físico em nossas noções mais cortês ou platônica de amor é uma questão em aberto. Que tipo de amor é o amor que não pode beijar ou segurar ou tocar?


Quer mais Orville?

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Newton Uzeda

Newton Uzeda, o Terceiro de seu Nome, Viajante de muitos Mundos, Sonhador de Fantasia, Leitor de Sci-fi, o Desafiador da Máquina, o Colecionador de Mundos, o "Último dos Renascentistas", Guardião de Histórias e o Questionador de Autoridades.

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